quarta-feira, 23 de maio de 2007

MINHA FILHA

Quem passou por mim no ano passado não escapou de me ouvir contar que, no início de 2007, eu ganharia uma filha. Em 13 de fevereiro nasceu a Lara, e quem estava por perto não escapou de receber mensagens minhas com fotografias.

Eu tenho dois filhos maravilhosos. Gustavo tem quase 26 e Tomás, 24 anos. Mesmo com duas noras deslumbrantes faltava, é claro, uma menina. Que eu tinha esperança que viria como uma neta. Veio uma filha. Porque a vida quis. E eu nunca deixo de repetir, porque ela nunca deixa de demonstrar: a vida é como estar no mar – um pouco a gente nada, um pouco a onda leva.

Foi assim que eu conheci a sua mãe, foi assim que ela veio. Como vida.

Se quiser conhecê-las, visite o blog que a minha mulher criou para mostrar as suas “Crônicas da Maternidade”. Eu acho maravilhoso desde o nome: “Leve um Casaquinho!”.

Eu vou de babador.


A seguir, o texto que escrevi quando soube que era uma...


MENINA?

A luz é quase nenhuma. O pouco espaço é dividido com equipamentos. E o tempo é diverso: o tempo da espera, que é muito; o tempo do crescimento, que é tão rápido; o tempo da felicidade, que se estica o quanto pode enquanto passa tão veloz.

O médico é simpático e afável, e o instrumento em sua mão busca as imagens que se contorcem sobre si mesmas, feitas e desfeitas, escorregadias, sombras e impressões, adivinhações que sorriem nas minhas taquicardias, nas mãos da minha mulher entre as minhas mãos, nós dois te olhando nas telas que te descobrem por entre ela, de dentro de nós.

Em mim, tudo isso - mesmo quase nada - dispara as perguntas.

E se for um sonho? E se for real? E se for menina?

E se for careca, se for loura, morena como a mãe, se for cacheada ou se escorrerem lisos e se ela não gostar de nada disso? E se forem claros, castanhos ou azuis, se forem atentos ou míopes os olhinhos que passaram por ali?

E se as unhas forem como as de uma tia, o sorriso do tio, as mãos de um irmão, o sono do outro, uma certa habilidade do avô, cada detalhe de qual avó, os olhos da mãe e a gula do pai, cada semelhança, preferência, gesto, tudo e cada coisa semelhante e aparentada?

E quando você chorar? E quando for eu a trocar sua fralda? E se você olhar dentro dos meus olhos? E se você me reconhecer? E se, então, você sorrir?

E se quiser brincar? E se for comigo? E se não for? E se eu sempre comprar a boneca errada? E os vestidos, os sapatos, as meias, as tiaras, as bolsas, as panelas, tudo errado?

E se tiver medo do escuro? E quando descobrir que eu também?

E se formos à pracinha, ao parque, ao mercado e você quiser fazer xixi?

E se você usar tranças? E se preferir franjas? E se quiser se descabelar e rir da minha paixão pelos seus cachos?

E se você gostar do sol? E se adorar praias e odiar o frio? E se colecionar conchas, achar tristes os cavalos marinhos, e insistir em mergulharmos de mãos dadas para buscar areia, lá, lá, lá no fundo?

E se preferir doces, e se adorar azedos e gostar, mesmo, é de brincar com comida? E se só eu souber o ponto da torrada, o doce certo de cada coisa, e só para mim você abrir a boca para o aviãozinho de colher e nada mais me fizer tão importante e feliz?

E se você me abrir os braços?

E quando você for para a escola? E quando você tiver febre e te nascerem os dentes? Ou qualquer coisa te maltrate, mesmo que de leve?

E quando você mergulhar no mais fundo, subir no mais alto, enfrentar o mais forte? E se doer?

E quando você me perguntar por quê?

E se você tiver segredos? E se forem com a sua mãe? E na minha frente? E se vocês rirem de mim? E quando vocês rirem de mim?

E se eu perder a graça?

E quando você espichar, assim, sem mais nem menos, de uma hora para outra?

E quando você comprar um sutiã? E quando você não comprar um sutiã?

E quando você menstruar, e quando você for viajar e eu não for? E quando nem sua mãe for? E quando você não souber dobrar o mapa? E quando esquecer os tempos dos verbos?

E se matar aula? E quando mentir para mim? E quando você crescer? E quando isso for tão mais rápido do que eu possa entender? E quando não será assim?

E quando você se apaixonar? E quando não? E quando você amar? E se ele não? E se você chorar? E se eu não estiver?

E se você se zangar e nós brigarmos? E se eu gritar? E se eu não ouvir? E quando você discordar? E, repito, se eu não ouvir?

E se você for para lá, se for para ali, se for para qualquer lugar que seja longe de mim?

E se você for pequena? E se for maior do que eu? E se ficar mimada, amuada, acuada, e achar, e tiver certeza, que o culpado fui eu?

E quando o culpado for eu?

E se você estudar latim, aprender logaritmo, a assobiar para dentro, para fora, estalar os dedos, mexer as orelhas, ficar vesga e nem ter medo que bata um vento? E quando você ficar muito mais esperta do que eu? E quando disfarçar para eu não ver?

E se você dormir no meu colo? E se você nunca mais usar tranças? E quando você não se lembrar mais que eu adorava os seus cachos?

E quando você me contar que está grávida? E se for uma menina? E depois um menino? E se for ao contrário?

E se ele for alemão? E se ele não falar português? E se for para a China? E se você me perguntar o que fazer e eu me lembrar do seu avô e disser que vá também?

E se eu errar todas as perguntas que faço agora? E quando eu errar o compasso, quando não dançar tua valsa, quando não souber tua música, quando me esquecer da letra e que já tive a tua idade? E quando te recusar o razoável, quando errar a mão, quando comer mosca, quando não conhecer tuas gírias, quando não reconhecer teu mundo, quando tiver que deixar que seja você que me leve? E se você não puder me apanhar?

E se você me abrir os braços? E se não se lembrar que eu adorava os seus cachos? E se eu já tiver dito isso?

O médico muda um pouquinho para lá, traz para cá, e não tem dúvida lendo as sombrinhas:

- É menina!

E as respostas vêm de uma vez, todas e cada uma, em você. Minha filha.


5 comentários:

Anônimo disse...

oi Rica
agora pergunta pra ela: "e se eu fizer sua tia bia chorar ao ler isso que te escrevi?"
muito lindo!
beijos

Ricardo Prado disse...

Que bom que você gostou, querida. Vou perguntando para ver se aprendo. Beijo.

Anônimo disse...

Puxa, Ricardo, que maravilha! A menina que tanto querias! Parabéns!
Beijo
Eboli

Ricardo Prado disse...

Pois é, Eboli, você vê como a vida é generosa. Que bom que você veio.

Christiana Fausto disse...

Sr. Maestro Ricardo Prado! Parabéns pela sua nova vida, eu agora também tenho uma inteiramente nova no meu blog www.cacosmeusbotoes.blogspot.com limpa como água limpa, música de aniversário no ouvido logo hoje q comemoro os 75 anos de minha mãe. Lembro-me de vc dizer q tb sentia q tinha a idade da terra. Vamos ser adultos rapaz! É um convite à vida adulta. Abraço, c.